A liturgia deste domingo convida-nos a tomar consciência de quanto é exigente o caminho do “Reino”. Optar pelo “Reino” não é escolher um caminho de facilidade, mas sim aceitar percorrer um caminho de renúncia e de dom da vida.
1ª Leitura:
A questão fundamental para o autor do texto é esta: só essa sabedoria que é um dom de Deus permite ao homem compreender tudo, fazer o que agrada a Deus e ser salvo.
O autor parte da constatação da nossa finitude, das nossas limitações, das nossas dificuldades típicas de seres humanos, para concluir: por nós, não conseguimos compreender o alcance das coisas, não conseguimos descobrir o verdadeiro sentido da nossa vida, apercebermo-nos dos valores que nos levam, verdadeiramente, pelo caminho da vida e da felicidade. Como chegar, portanto, a “conhecer os desígnios de Deus”?
O autor só encontra uma resposta: o homem tem de acolher a “sabedoria”, dom de Deus para todos aqueles que estão interessados em dar um verdadeiro sentido à sua vida. Só a acção de Deus que derrama sobre os homens a “sabedoria” permite encontrar o sentido da vida e discernir o verdadeiro do falso, o importante do inútil.
2ª Leitura:
O que está em causa neste texto é muito mais do que um problema privado, embora com alcance social; é, sobretudo, um problema eclesial (embora com implicações sociais), e que deve ser resolvido a partir desse valor supremo da ética cristã que é o amor.
Para Paulo, o amor deverá ser a suprema e insubstituível norma que dirige e condiciona as palavras, os comportamentos, as decisões dos crentes. Ora, o amor tem consequências bem práticas, que os membros da comunidade cristã não podem olvidar: implica o ver em cada homem um irmão – independentemente da sua raça, da sua cor, ou do seu estatuto social. Vistas as coisas nesta perspectiva, não é de estranhar que Paulo solicite a Filémon que receba Onésimo não como o que era antes (um escravo), mas sim como é agora – um irmão em Cristo. Se Filémon é, de facto, cristão, é essa a atitude que deve assumir para com Onésimo.
O problema da escravatura deve ter-se posto, desde muito cedo, à comunidade eclesial. Mas os cristãos cedo perceberam que a solução não estava na violência ou na revolta, mas no levar até às últimas consequências a fraternidade que une todos os homens e que resulta do facto de todos serem “filhos de Deus” e irmãos em Cristo. A violência, quando muito, serviria para substituir uns escravos por outros, sem alterar a situação; só o amor poderia mudar o coração dos homens, de forma a acabar com a exploração do homem pelo outro homem. A conversão ao amor – exigência fundamental para integrar a comunidade eclesial – exige o reconhecimento da igualdade fundamental de todos os homens (“sem distinção entre judeu ou grego, entre escravo ou homem livre, entre homem ou mulher, porque todos são um só em Cristo Jesus”, dirá Paulo – Gal 3,28). A partir do amor, o “dono” do escravo descobre a igualdade profunda de todos os homens, filhos do mesmo Deus e irmãos em Cristo; a partir do amor, o escravo descobre a afirmação clara da sua dignidade de homem. É esta a questão fundamental que o texto nos apresenta.
Evangelho:
Quais são então, na perspectiva de Jesus, as exigências fundamentais para quem quer seguir o “caminho do discípulo” e chegar a sentar-se à mesa do “Reino”? Jesus põe três exigências, todas elas subordinadas ao tema da renúncia.
A primeira exige o preferir Jesus à própria família (vers. 26). A este propósito, Lucas põe na boca de Jesus uma expressão muito forte. Literalmente, podemos traduzir o verbo “misséô” aqui utilizado como “odiar” (“quem não odeia o pai, a mãe… não pode ser meu discípulo”). Para ser discípulo, é preciso odiar alguém? Não. Segundo a maneira oriental de falar, “odiar” significa “pôr em segundo lugar algo porque, entretanto, apareceu na vida da pessoa um valor que ainda é mais importante”. É evidente que Jesus não está a pedir o ódio a ninguém, muito menos a esses a quem nos ligam laços de amor… Está, sim, a exigir que as relações familiares não nos impeçam de aderir ao “Reino”. Se for necessário escolher, a prioridade deve ser do “Reino”.
A segunda exige a renúncia à própria vida (vers. 27). O discípulo de Jesus não pode viver a fazer opções egoístas, colocando em primeiro lugar os seus interesses, os seus esquemas, aquilo que é melhor para ele; mas tem de colocar a sua vida ao serviço do “Reino” e fazer da sua vida um dom de amor aos irmãos, se necessário até à morte. Foi esse, de facto, o caminho de Jesus; e o discípulo é convidado a imitar o mestre.
A terceira exige a renúncia aos bens (vers. 33). Jesus sabe que os bens podem facilmente transformar-se em deuses, tornando-se uma prioridade, escravizando o homem e levando-o a viver em função deles; assim sendo, que espaço fica para o “Reino”? Por outro lado, dar prioridade aos bens significa viver de forma egoísta, esquecendo as necessidades dos irmãos; ora, viver na dinâmica do “Reino” implica viver no amor e deixar que a vida seja dirigida por uma lógica de amor e de partilha… Pode, então, viver-se no “Reino” sem renunciar aos bens?
Com este rol de exigências, fica claro que a opção pelo “Reino” não é um caminho de facilidade e, por isso, talvez não seja um caminho que todos aceitem seguir. É por isso que Jesus recomenda o pesar bem as implicações e as consequências da opção pelo “Reino”. A parábola do homem que, antes de construir uma torre, pensa se tem com que terminá-la (vers. 28-30) e a parábola do rei que, antes de partir para a guerra, pensa se pode opor-se a outro rei com forças superiores (vers. 31-32) convidam os candidatos a discípulos tomar consciência da sua força, da sua vontade, da sua decisão em corresponder aos desafios do Evangelho e em assumir, com radicalidade, as exigências do “Reino”.