Às nossas famílias, disto estamos certos, não pode ser proposto um modelo de vida melhor do que o da família de Nazaré; todavia, o facto relatado pelo Evangelho de hoje é desconcertante. Maria e José esquecem o filho em Jerusalém e durante um dia caminham tranquilos sem se preocuparem com Ele; Jesus afasta-se dos pais sem pedir autorização e, quando a mãe lhe pede explicações acerca do seu comportamento, parece até responder-lhe mal; Maria e José não entendem as suas palavras; só no final se diz que Jesus voltou a Nazaré e, dali por diante, lhes é submisso; uma ótima decisão, a sua, mas como é que se explica a sua precedente «desobediência»? É inegável que, lido como crónica, este trecho aprenseta algumas dificuldades. Como interpretá-los?
Nós sabemos que um encontro casual com uma pessoa é contado de formas diferentes se esta nunca mais foi vista ou se, pelo contrário, se tornou numa pessoa amiga. Lucas não escreve o seu Evangelho no dia seguinte à ocorrência destes factos, mas creca de cinquenta anos depois da Páscoa, e de cada página da sua obra transparece a fé no Cristo ressuscitado. A morte e ressurreição de Jesus deram a entender, a ele e aos cristãos das suas comunidades, aquilo que Maria e José não podiam ainda intuir setenta anos antes. Já na criança de doze anos Ele reconhece o Cristo, o Filho de Deus, o Salvador, aquele que obediente ao Pai ao ponto de dar a sua vida.
Após esta premissa vejamos o trecho de hoje.
A lei de Israel prescrevia (só para os homens adultos) a peregrinação a Jerusalém três vezes ao ano por ocasião das festas principais. Para quem morava longe era praticamente impossível observar este preceito. Muitos judeus consideravam já um grande dom poder fazer a santa viagem pelo menos uma vez na vida. Maria e José que, morando em Narazé, estavam a cerca de três dias de caminho de Jerusalém, subiam até lá todos os anos para celebrarem a Páscoa.
É por ocasião de uma destas peregrinações que acontece o facto narrado no Evangelho de hoje. Jesus tem doze anos, portanto já quase atingiu a maioridade (aos reze anos em Israel uma pessoa torna-se adulta e passa a estar obrigada à observância de todos os preceitos da Lei).
O templo é uma construção esplêndida, está circundado por grandes pórticos sob os quais os rabinos e os escribas explicam as sagradas Escrituras, recitam os Salmos e distribuem aos peregrinos os seus conselhos. Jesus está desejoso de descobrir a vontade do Pai e sabe onde encontra-la: nos livros santos do seu povo, nas Escrituras. Por este motivo Ele fica em Jerusalém: quer entender a palavra de Deus. Passeando pelo templo nos dias de festa, fica talvez tocado pelas explicações dadas por algum mestre mais preparado e mais piedoso do que os outros e quer ainda ouvi-lo, quer fazer-lhe perguntas, quer esclarecer as suas dúvidas. Os peregrinos que o ouvem conversar com os rabinos param surpreendidos e admirados com a sua inteligência precoce e extraordinária. Não é fácil encontrar um rapaz da sua idade que demonstra tanto amor pelas Escrituras e que é capaz de levantar questões tão profundas.
A finalidade do relato de Lucas não é a de sublinhar a inteligência de Jesus, mas preparar o leitor para entender a resposta que Ele dá à sua mãe, preocupada e surpreendida com o seu comportamento. Trata-se das primeiras palavras que Ele pronuncia no Evangelho de Lucas, portanto – para o evangelista – revestem-se de uma importância particular, são como que o programa de toda a sua vida a resposta é formulada com duas perguntas: «Porque me procuráveis? Não sabíeis que Eu devia estar na casa de meu Pai?»