Com a leitura de hoje conclui-se a parte central do Evangelho de Marcos na qual Jesus esclareceu qual a meta da sua viagem e expôs as exigências morais às quais se deve adequar quem quer seguir os seus passos: amor gratuito, sem reservas nem limites, renúncia aos bens, a qualquer ambição, serviço desinteressado aos irmãos.
Jesus percorreu já boa parte do seu caminho: partiu da Galileia, desceu ao longo do Jordão e encontra-se agora em Jericó.
Faltam apenas 27 quilómetros para chegar à meta. Está para iniciar a subida à cidade santa e com Ele estão os discípulos e uma grande multidão.
Do ponto de vista histórico, a presença de uma grande multidão ao lado de Jesus é verosímil, já que, por ocasião da Páscoa, as caravanas de peregrinos que se dirigiam a Jerusalém eram numerosas; já do ponto de vista teológico é surpreendente. Não se compreende como é possível que tanta gente siga ainda Jesus, depois que Ele anunciou claramente o destino que o espera, o cálice amargo que deve beber, as águas impetuosas do ódio, da perseguição e do martírio nas quais se deve imergir.
Só pode haver uma explicação: quem o acompanha não entendeu ou não quis entender o significado das suas palavras. Até mesmo os discípulos não se libertaram ainda da ideia distorcida de messias que têm em mente. No seu íntimo continuam a iludir-se, a esperar que as previsões ameaçadoras que Ele pronuncia sejam fruto de um momento de amargura e desconforto, e estão convencidos que no fim tudo acabará com um triunfo.
A sua condição espiritual é semelhante à dos cegos, têm olhos que não se deixam penetrar por qualquer feixe de luz, que são insensíveis às cores mais intensas. Inicialmente o Mestre tinha-os censurado, mas inutilmente: «Ainda não entendestes nem compreendeste? Tendes o vosso coração endurecido? Tendes olhos e não vedes?» depois tinha começado a curar a sua cegueira, com dificuldade, intervindo várias vezes, como fez com o cego de Betsaida. A parte central do Evangelho de Marcos é completamente dedicada a estas tentativas de Jesus.
Verificar se somos realmente iluminados por Cristo ou se apenas o seguimos materialmente é bastante simples. Revela-o a sensibilidade que temos perante o grito do pobre que pede ajuda. Quem fica incomodado, quem finge ignorá-lo ou procura fazer com que se cale, quem está ocupado com projectos mais elevados, mais devotos, mais sublimes, e não tem tempo para cuidar de quem cambaleia no escuro, quem crê que haja algo de mais importante do que parar para escutar, entender, ajudar quem deseja encontrar o Senhor, esta pessoa, mesmo se cumpre de forma impecável todas as práticas religiosas, está ainda cega.
O relato termina com o diálogo entre Jesus e o cego. A cada pessoa que procura a luz, o Mestre pede que faça a sua profissão de fé, que acredite naquele que pode abrir-lhe os olhos.
O encontro com Cristo e com a sua luz deixam a pessoa numa condição que não é fácil.
Quem quer ser iluminado por Cristo deve escolher entre a velha capa e a luz.