24 de junho de 2023 – Solenidade do Nascimento de São João Baptista

São João Baptista faz parte dos chamados Santos populares. Diz a introdução ao Missal Romano que a Liturgia celebra o Nascimento de Jesus e celebra somente o de São João Baptista e o da Virgem Maria. O Evangelho recorda-nos que São João estaria “cheio do Espírito Santo desde o seio materno.” O próprio Jesus fez este elogio: “Entre os filhos de mulher não apareceu ninguém maior que João Baptista” (Lucas 7, 28). Ele é o elo de ligação entre a Antiga e a Nova Aliança: “A Lei e os profetas até João Baptista.” (Lucas 16,16) São João Baptista é o Precursor de Jesus. Preparou os seus caminhos, anunciou a Sua vinda e apresentou-O aos homens. É uma testemunha fiel; viu e deu testemunho: “Jesus é o filho de Deus. Eis o Cordeiro de Deus.” (João 1,34.36).

Em comunhão com toda a Igreja celebramos a solenidade de São João Baptista. Desde os primeiros séculos, o nascimento deste Santo tornou-se uma festa muito popular, celebrada com cânticos, marchas, procissões e entre nós portugueses, com as chamadas fogueiras de São João. No seu calendário religioso a Igreja colocou o nascimento de S. João Baptista no solstício de Verão e seis meses depois a solenidade do Natal, no solstício de Inverno. A partir de 24 de Junho, os dias começam a diminuir progressivamente até chegar ao dia mais curto, 25 de Dezembro.[1] Parece-nos compreender o desejo de S. João Baptista. “É preciso que Jesus cresça e que eu diminua”. João era a voz, Jesus é desde o princípio a Palavra eterna. João era uma lâmpada, o Deus Menino é a “luz que ilumina todo homem que vem a este mundo.” Ao apresentar João Baptista como precursor de Jesus, o Evangelho cita o profeta Isaías: “Uma voz clama no deserto, preparai o caminho Senhor, abri na estepe uma estrada para o nosso Deus, sejam alteados todos os vales e aplanados os montes e as colinas.” [2] A missão de João também dava cumprimento à profecia de Malaquias (3,1): “Eis que vou enviar o meu mensageiro para preparar um caminho diante de mim.”

O nome João tem a sua origem etimológica no hebraico JOHANAN (no grego JOANNES) e significa “Deus recorda-se da sua misericórdia.” Verdadeiramente, este menino nasceu como uma dádiva divina e seu pai Zacarias agradeceu: “Deus recordou-se da Sua misericórdia.” O Senhor jamais poderia esquecer a “aliança feita a Abraão e à sua descendência para sempre.” Por isso Zacarias também louva a Deus pela futura missão seu filho: “E tu, menino serás chamado profeta do Altíssimo e irás à sua frente a preparar os seus caminhos.” (São João é apresentado como alguém eleito por Deus para anunciar a vinda do Messias.)

O Evangelista São Lucas apresenta São João como filho de Isabel e de Zacarias. Pertencia à classe sacerdotal de Abias, que servia no templo de Jerusalém.[3] Santa Isabel também era de linhagem sacerdotal, por “ser descendente da tribo de Aarão.” Ambos eram idosos e não tinham filhos, porque Isabel era estéril. Certo dia, enquanto Zacarias oferecia o incenso no templo, foi visitado por S. Gabriel. “Apareceu-lhe o Anjo do Senhor, à direita do altar do perfume” (Lucas 1,11) O Anjo disse-lhe que Isabel, sua esposa ia dar à luz um filho, cujo nome seria João. Vinha preparar um povo bem disposto para acolher Jesus, o Messias prometido. Zacarias era, certamente, muito humano e poderia interrogar-se a si mesmo: como seria possível a um homem já velho ter um filho de uma esposa idosa e estéril? Iria sua esposa Isabel juntar-se aos grandes nomes de Sara e de Ana, duas outras mulheres estéreis, mas que milagrosamente foram agraciadas com o dom da maternidade, em idade muito avançada? Por isso, não nos admiramos que tivesse perguntado ao Anjo como se iria realizar um tão extraordinário milagre. “Como hei-de saber que será assim?” O Anjo respondeu-lhe que ele ficaria mudo até ao nascimento do menino, mas explicou a razão deste castigo: “Ficarás mudo por não teres acreditado na palavra de Deus.” (Lucas 1, 18.20)

Quando foi para dar o nome ao menino recém-nascido, pensaram, naturalmente, em dar-lhe o nome do pai, Zacarias. Mas Isabel declarou: “Não. Este menino chamar-se-á João”. (Lucas 1,60)

No pensamento de muitos povos o nome significa muito mais do que a designação civil. Na tradição bíblica, os pais, dando o nome à criança, indicam uma vocação de Deus que chama alguém para realizar uma missão. Os nomes que acabámos de escutar no Evangelho são todos portadores de uma boa notícia. João significa Deus usa de Misericórdia, ou também, Deus concede uma graça.[4] Zacarias significa Deus recorda-se. Isabel significa, literalmente – “Isha-El” – mulher de Deus. Ela própria reconhece o dom maravilhoso recebido: “Eis a graça que Deus me fez. O Senhor olhou para mim, para me tirar o opróbrio diante os homens.” [5] Todos estes nomes estão associados a um verbo transitivo, cujo sujeito é Deus. Temos consciência de não sermos fruto do acaso, mas uma dádiva do amor divino? Estamos convencidos de que somos pessoas importantes? O Senhor pensou em nós desde toda a eternidade. Diz o profeta que o Senhor pensou em nós e colocou sobre cada um de nós os Seus olhos: “Amei-te com amor eterno, por isso tive compaixão de ti.” (Isaías 31,3-4). O mundo não é fruto de um acaso e nós fomos escolhidos antes da criação do mundo. Nós acreditamos que o mundo foi criado por Deus e “Deus ama tanto o mundo” diz o Evangelista São João.[6] Diz também o autor do Livro da sabedoria: “Vós, ó Deus, amais tudo o que existe e não odiais nada do que fizeste, porque se o odiásseis não o terias criado.” (Sabedoria, 11,24)

“Ninguém na tua família tem esse nome.

Sua mãe interveio: O Menino vai chamar-se João.

“Então os fiéis, vindos do judaísmo, admiravam-se que a graça do Espírito Santo fosse também para os pagãos.” (Actos 10, 45). Sim, é verdade que a graça do Espírito Santo é para todos. A Igreja ia começar a receber todos os que abraçavam a fé em Jesus Cristo. Muitos eram oriundos do judaísmo e a grande maioria era proveniente das nações pagãs. A Igreja começava a crescer e a estender os seus ramos por todo o império romano. A igreja estava simbolizada na árvore da parábola do “grão de mostarda.” À sombra dos seus ramos viriam buscar abrigo todos os que haviam de acreditar e aceitar Jesus como seu Salvador. A Igreja é católica, quer dizer, universal, porque “é sacramento de salvação para todos os povos.” (LG 1,1)

“O Menino vai chamar-se João.” Um nome novo. Era mesmo uma novidade. Santa Isabel quebrou o costume tradicional: “O Menino vai chamar-se João.” Os vizinhos podiam admirar-se e maravilhar-se: Zacarias escreveu o nome e o milagre aconteceu, como anunciara o Anjo: “Zacarias escreveu numa tabuinha: João é o seu nome. E logo se lhe abriu a boca e soltou-se-lhe a língua e ele falou, bendizendo a Deus.” Este acontecimento divulgou-se rapidamente por toda a Judeia. O que era antigo estava prestes a terminar. “Ao falar de NOVA ALIANÇA, Deus declara antiquada a primeira. Ora aquilo que se torna antigo e envelhece está prestes a desaparecer.” [7] Já tinha chegado a plenitude dos tempos. A Aliança antiga ia dar lugar à Nova e eterna Aliança. Deus tinha anunciado pela boca Isaías: “Fiz de ti a luz das nações para que a minha salvação chegue até aos confins da terra.” [8] A Igreja aplica esta passagem bíblica do Profeta Isaías ao futuro Messias. Mas na Missa de hoje, vemos nestas palavras a missão de João Batista, precursor de Jesus. Deus não se deixa limitar pelas tradições, por mais veneráveis que sejam. O nascimento de João Baptista deu início a um tempo novo. Não admira que estranhassem os que estavam agarrados ao passado. Eles não sabiam que o “Espírito Santo sopra onde quer” [9] e renova a face da terra. O menino nasceu e recebeu o nome indicado pelo Anjo: “Por-lhe-ás o nome João.” Ficamos cheios de alegria e gratidão porque o nosso Deus é um Deus de Amor e usa de Misericórdia para connosco. Recuperada a fala o pai Zacarias dá graças “ao Coração Misericordioso do nosso Deus,” que se recordou da sua bondade e fidelidade em favor da casa de Israel: “Bendito o Senhor Deus de Israel, que visitou e redimiu o Seu Povo.” Com a Mãe de Jesus também nós agradecemos: “Deus recordou-se da misericórdia prometida a nossos pais, a Abraão e à sua descendência, para sempre.” (Lucas 1,68.54-55)

 Jesus, falando acerca do Reino de Deus afirmou: “A antiga aliança e os profetas, até João Baptista.” [10] Com o nascimento de São João, Precursor de Jesus Cristo passaram as sombras e as prefigurações do judaísmo e começou a brilhar a luz da nova realidade, o cristianismo. Uma vez que a realidade se tornou presente, a figura perdeu o seu valor simbólico. “Quando chega o rei, ninguém se põe a venerar a sua imagem.” [11] Sem abolir a Lei antiga, Jesus começou a fazer o Novo Testamento. Agora é o tempo da Graça. A Lei e os Profetas ajudam-nos a compreender melhor o Amor misericordioso de Deus: “Ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o Seu Filho, nascido de mulher, para resgatar os que estavam sujeitos à Lei e nos tornar seus filhos adoptivos.” [12] A Igreja prolonga, ao longo dos séculos, na Oração de Laudes, o “Benedictus,” pronunciado por Zacarias: “Bendito o Senhor Deus de Israel, que visitou e redimiu o seu povo e nos deu um Salvador poderoso na casa de David, seu servo… graças ao Coração misericordioso do nosso Deus, que das alturas nos visita como sol nascente. E tu, Menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque irás a sua frente a preparar os seus caminhos.” [13]

O Nascimento de uma criança é motivo de júbilo e de alegria. É uma nova vida que nos recorda a bondade de Deus Pai: “Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele escolheu-nos antes da criação do mundo. Ele predestinou-nos para sermos seus filhos adoptivos.” (cf Efésios 1, 3-4) Todos devemos ser como São João Baptista, pessoas humildes e luminosas. Jesus disse que “João era uma lâmpada que ardia e iluminava.” (Jo 5, 35) E o Evangelho diz abertamente que “ele não era a luz, mas veio para dar testemunha da Luz.” Entretanto, para todos os seus discípulos, Jesus vai dizer: “Vós sois o sal da terra. Vós sois a luz do mundo.” (Mateus 5,13.14) E S. Paulo ao falar aos primeiros cristãos afirma: “Vós brilhais como estrelas no mundo, ostentando a palavra da vida.” (Filip 2,15) Interiormente devemos arder inflamados pelo zelo da glória de Deus, inflamados no fogo do amor que Jesus veio trazer à terra; exteriormente, a nossa luz deve manifestar-se através da caridade fraterna: “Brilhe a vossa luz diante dos homens para que vendo as vossas boas obras, glorifiquem o Pai que está nos Céus.” [14]

Algum tempo depois do Baptismo de Jesus, os amigos de João Baptista interpelavam-no, afirmando: “Mestre, agora, todos vão ter com Jesus.” Ele ficou contente e respondeu com humildade:

“O amigo do esposo regozija-se com a voz do esposo. Nisto consiste a minha alegria, que agora é completa: Importa que Jesus cresça e que eu diminua.”[15] João Baptista foi “uma lâmpada.” Por algum tempo iluminou e os seus discípulos alegraram-se. Mas em breve, daqui a seis meses vamos celebrar o nascimento de Jesus, “o verdadeiro Sol da Justiça.” Hoje, alegramo-nos com a celebração da solenidade do nascimento de São João. A nossa alegria será completa quando, no próximo Natal ressoar aos nossos ouvidos a voz do Anjo de Belém: “Não temais, anuncio-vos uma grande alegria. Nasceu para vós o Salvador. Glória a Senhor no alto dos Céus. Paz na terra aos homens amados por Deus.” [16]

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