Há muitas repetições nos Evangelhos, mas nunca são casuais, têm sempre uma razão. A multiplicação dos pães, a disputa entre os discípulos sobre quem seria o maior, a réplica do Mestre a estas pretensões, o abraço de Jesus às crianças, todos estes são episódios que Marcos refere duas vezes. O anúncio da paixão chega a ser referido três vezes, acompanhado sempre por uma reação de reprovação da parte dos discípulos, incapazes de entender uma proposta de vida que, segundo os critérios humanos, mostra completamente insensata.
Na primeira parte do techo de hoje é referido o segundo destes anúncios: «O Filho do homem vai ser entregue às mãos dos homens e eles vão matá-lo; mas Ele, três dias depois de morto, ressuscitará».
«Vai ser entregue». Por quem? – perguntamo-nos nós. A resposta parece evidente: por Judas. Mas, pelo contrário, aqui estamos perante aquilo a que os teólogos chamam «passivo divino», ou seja, um verbo no passivo que a Bíblia, é utilizado para atribuir a Deus uma determinada ação. É o Senhor que oferece o seu filho, que o entrega em poder dos homens.
A pessoa enamorada não tem outro modo de manifestar todo o seu amor que não seja o de ababdonar-se nos braços da pessoa amada. Foi o que Deus fez: entregou-se nas mãos dos homens, mesmo sabendo que estes iriam fazer dele o que queriam.
A resposta a este imenso amor foi dramática, e é anunciada por Jesus no futuro: Vão matá-lo. Aqui o crime não é atribuído aos sumos sacerdotes e aos escribas, mas aos homens. Se Deus tivesse ficado no Céu, poderia ser esquecido, ou, no máximo, insultado; mas a partir do momento em que decidiu descer à terra e colocar-se às mãos dos homens, entregou-se à morte.
Os discípulos não são capazes de entender este amor do Senhor, os seus pensamentos estão demasiado distantes dos pensamentos do Céu e têm medo de pedir a Jesus um esclarecimento.
É fácil intuir a razão da obtusidade deles. O destino que, segundo Jesus, espera o Filho do homem, é inconciliável com as convicções religiosas inculcadas pelos rabis, é o oposto das suas expectativas, não podem aceitar a ideia que Deus abandone o seu eleito nas mãos dos malfeitores. Concordam com a objeção que o sábio Elifaz dirigiu a Job: «Qual o inocente que já pereceu? Ou quando foram exterminados os justos?» e com a afirmação do salmista: «Fui jovem e agora sou velho, mas nunca vi o justo abandonado».
Como pôr de acordo a justiça de Deus com a derrota ou a morte do Filho do homem?
Não deve causar admiração o facto de os discípulos, mesmo depois de ouvirem pela segunda vez o mesmo anúncio, não o terem compreendido, ou melhor, não terem conseguido aceitar o escândalo da Paixão do Messias; da mesma forma, não deve causar surpresa a anotação do evangelista: tinham medo de o interrogar. Eles tinham ainda bem presente a sua reação, quase ressentida, quando Pedro tentara afastá-lo do caminho da cruz. Davam-se conta que, quando se tocava este assunto, o Mestre tornava-se duro, intransigente, não queria ser contestado e não aceitava sugestões.
A falta de sintonia com o pensamento de Cristo conduz, inevitavelmente, a um recuo para convicções humanas.
É discípulo de Cristo quem, seguindo o exemplo do Mestre, abraça os pequeninos.
Estes são quem esteja completamente dependente das outras pessoas, quem não produz, só consome, precisa de tudo, quem pode até criar alguma complicação e não raciocina como um adulto.
Não é fácil abraçar quem, aos quarenta anos, ainda precisa de ser assistido como uma criança, fala demais, é grosseiro, incomoda a vida ordenada das outras pessoas, não se empenha. Abraça-lo não significa condescender com todos os seus desejos, contentar os caprichos e favorecer a preguiça, mas educá-lo, ajudá-lo a crescer, fazer com que se torne adulto.
Há na nossa comunidade paroquial, pequeninos, pessoas impuras; aliás, em cada um de nós está presente um pequenino. O abraço é o gesto que exprime o acolhimento, a confiança, a estima, a disponibilidade para o serviço recíproco, e, por isso, sentimos a necessidade de sermos abraçados pelos irmãos da nossa comunidade.