Durante uma animada discussão no templo, Jesus declara aos Judeus: «Se o Filho vos libertar, sereis realmente livres».
Para quem estava convencido de ser descendência de Abraão e nunca ter sido escravo de ninguém, estas palavras soaram como uma provocação intolerável. Começaram por recorrer ao insulto: «Não temos nós razão ao dizer que és um samaritano e que tens demónio?», depois passaram à violência: «Então, agarraram em pedras para lhe atirarem. Mas Jesus escondeu-se e saiu do templo».
O que mais surpreende neste episódio é que se afirma no versículo introdutório: os opositores de Jesus não eram os inimigos, mas aqueles que tinham acreditado nele.
É então possível acreditar em Jesus e não entender e recusar a libertação que Ele oferece.
Isto acontece porque às coisas que escravizam (e a algumas destas coisas de modo particular) facilmente se ganha afeição e não se querem deixar. Adaptamo-nos, resignamo-nos, não nos decidimos a empreender um caminho que se prevê demasiado difícil. E se alguém se aproximar para nos ajudar a encontrar uma saída, é afastado com aversão.
O desregramento e todas as formas de corrupção moral são facilmente reconhecidos como formas de sujeição. Outras formas de escravidão, pelo contrário, disfarçam-se de condições de liberdade, mostram-se gratificantes (dou alguns exemplos: o apego doentio aos filhos, a certeza de possuir a verdade, a convicção de se ser pessoa de bem, cristão exemplar e irrepreensível. Também o ateísmo prático de quem não quer pôr em causa as próprias escolhas de vida é uma forma de escravidão…). São condições de «não vida», e, no entanto, sentimo-nos incomodados com os libertadores.
Se Jesus tivesse combatido inimigos externos com a espada, teria sido reconhecido como libertador, mas Ele convidou «os escravos do pecado» a se libertarem da sua vida de erro, a matarem em si tudo aquilo que é morte. Não foi entendido. A mesma sorte espera quem continua a sua missão.
A última parte do trecho é uma exortação que Jesus dirige às pessoas de todos os tempos: «Depois, dirigindo-se a todos – especifica Lucas -, portanto não apenas aos discípulos e às multidões, mas a todos.
Acreditar nele não significa declarar a própria adesão a um conjunto de verdades tomadas do cristianismo, mas segui-lo, partilhar o seu destino: «Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-me».
O Mestre coloca-nos perante uma opção. Não convida a fazer um sacrifício a mais, a procurar sofrimentos, mas exige que deixemos de nos guiar pela procura do próprio interesse e da própria afirmação; pede que deixemos de procurar ser o centro das atenções.
Quem quer seguir o Mestre, deve, como Ele, esquecer-se de si mesmo, não se deixar tocar por pensamentos egoístas.
Tomar a sua cruz não significa suportar com paciência as pequenas ou grandes contrariedades da vida, e também não é uma exaltação da dor como meio para agradar a Deus. O cristão não procura o sofrimento, mas o amor.
A morte na cruz foi para Jesus a consequência das suas escolhas de amor. Ele recusou os princípios, os valores, os parâmetros deste mundo e propôs os das bem-aventuranças. Incomodou, disturbou, inquietou as estruturas, quer religiosas quer políticas; não podia deixar de ser rejeitado, perseguido e eliminado. Os discípulos que tencionam seguir os seus passos não podem esperar aplausos, consenso, a aprovação das pessoas, mas a oposição e a cruz.