Ao aproximar-se o fim do ano litúrgico, a Igreja recorda-nos, com uma insistência maior, o termo da nossa vida, no mundo, e as contas que Deus nos há-de pedir.
A parábola dos talentos, que somos convidados a refletir, vem no seguimento da das dez virgens do último domingo e da do servo infiel com que Jesus nos previne acerca destas verdades.
«Um homem ao partir em viagem chamou os seus criados e entregou-lhes os seus bens».
«Muito tempo depois chegou o senhor desses criados».
É a partida e o regresso. Todo o cenário da parábola se desenrola entre estes dois momentos. É-nos fácil evocar a partida de Jesus: a Sua Ascensão; mais difícil, o Seu regresso no final dos tempos. Somos nós que escrevemos a História do mundo e a da Igreja. No Natal, sobre a terra dos homens, Jesus veio Ele próprio lançar a semente, mas depois o pequeno grão do Reino de Deus é colocado nas nossas mãos e somos nós hoje que temos de o fazer frutificar.
«Partindo em viagem confiou-lhes os bens; quer dizer que tudo aquilo que possuímos atualmente, a vida, as qualidades físicas, intelectuais e morais, os bens materiais…, toda esta maravilhosa herança a recebemos de Deus.»
«A um deu cinco talentos, a outro dois, a um outro um só, a cada um segundo a sua capacidade».
Recebemos, pois, do Senhor dons, com o encargo de os fazer frutificar. Como a parábola nos dá a entender, Deus não exige impossíveis, apenas espera que tenhamos feito render a nossa vida em proporção com os talentos que recebemos e com a nossa própria capacidade, com a nossa medida.
Tudo está colocado sob o signo da confiança, do amor; não há contratos, nem garantias.
Face a este Senhor tão generoso, tão bondoso, como no situamos, nós? São Paulo pedia aos cristãos de Corinto que se comportassem, como «administradores dos Mistérios de Deus».
É, de facto, assim, que nos sentimos? Em todos os comportamentos da nossa vida pessoal, familiar, profissional como agimos nós? Porque Deus nos parece estar longe, ausente e nos deixar entregues a nós próprios, não nos acontece esquecermos que Ele é o proprietário, e apropriarmo-nos – só para nós – daquilo que nos confiou?
É a inteligência, a saúde, a alegria de viver, a juventude ou a idade, a fé, a generosidade, a cultura, a habilidade para tanta coisa, os bens materiais e tantos outros talentos…
É verdade, Senhor, esqueci-me de que eras o proprietário! Tu emprestaste-mos e que fiz eu deles?
«por medo fui enterrar o teu talento na terra: aqui tens o que te pertence».
De facto, é bom lembrarmo-nos que somos os administradores, os «locatários» de Deus. Mas não chega.
Reparemos nos dois primeiros servos: tomaram iniciativas, puseram os talentos a render, correram riscos, puseram o dinheiro a circular, dobraram a parada: dez em vez de cinco.
Porém o terceiro jogou pelo seguro, enterrou o seu talento. Não soube apreciar quanto recebera e tinha uma ideia muito estranha do seu patrão.
«Senhor, sabia que és um homem duro… Tive medo e fui esconder o teu talento na terra. Aqui tens o que te pertence».
Com quem nos parecemos nós? Com quem se parece a nossa vida familiar, a nossa comunidade cristã?
Aguardando o regresso do Senhor, no fim da nossa vida, no fim dos tempos, é a confiança, o amor ou o medo que vão orientar as nossas atitudes, as nossas escolhas, os nossos compromissos?
O cristianismo não é para ser vivido com espírito «negativo» com receio das contrariedades, dos sacrifícios, com prudência, sem iniciativas, sem empenhamento audaciosos.
Muitas vezes, á força de prudência e de medo, os jovens e os adultos, as famílias cristãs, cada um de nós, contenta-se com um cristianismo de pantufas! E, no entanto, as nossas cidades, as nossas aldeias, os nossos lugares de trabalho ou de descanso, as nossas famílias precisam de cristãos de fé ativa, atraente, admirável, de um cristianismo positivo.
Os santos não tiveram medo de Deus. Sentiam-se amados; eram transbordantes de atividade, loucos de audácia! Souberam pôr os seus talentos a render cem por cento, quer tenham recebido cinco, dois ou um.
Tomemos consciência dos dons que o Senhor nos confiou.
Somos responsáveis pela maneira como os usamos.