19 de janeiro de 2025 – 2º Domingo do Tempo Comum – Ano C – (Amar-te é uma festa!)

  1. O Amor de Deus para connosco

O amor de Deus para connosco permanecerá sempre um mistério, e não encontramos nada semelhante na terra.

A luz da Revelação ajuda-nos a vislumbrar — tanto quanto o pode fazer uma criatura iluminada pela fé — esta maravilha.

  1. a) Amor fiel. «Por amor de Sião não me calarei, por amor de Jerusalém não terei repouso, enquanto a sua justiça não despontar como a aurora e a sua salvação não resplandecer como facho ardente. Os povos hão-de ver a tua justiça e todos os reis a tua glória.»

Hoje sentimos uma dificuldade muito especial e vislumbrar a riqueza do amor de Deus a cada um de nós, porque a palavra amor está cheia de enganos.

  • Falsos amores. Alguns tomam o amor pela sensualidade, pelo entusiasmo dos sentidos que procura uma satisfação. Quando a sensualidade se cansa — porque os sentidos bem depressa estão saturados, dizem que o amor acabou. Este é o drama de muitos namoros e casamentos. Entre os dois não chegou a desenvolver-se um verdadeiro amor.

O amor de Deus por nós, não é como o amor das telenovelas que surge como as flores da primavera, para logo se desfazerem à primeira brisa de vento que passa.

Quando uma união matrimonial se desfaz por causa de uma doença, de um defeito ou de uma discussão, onde está a verdade daquelas palavras no dia da celebração: «Eu […], recebo-te por minha esposa — por meu marido — a ti […], e prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te,
na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida.»

Onde está o compromisso assumido diante das pessoas, de Jesus Cristo e da Sua Igreja? Na verdade, era Ele Quem estava a presidir à vossa festa.

  • Amor humano. Todos compreendemos que amar é dar-se, elevando-nos acima da nossa natureza. O amor perfeito é o que se dá sem medida, sem esperar qualquer compensação; aquele que não guarda factura, nem recebido, para apresentar na primeira ocasião; é aquele que não negoceia com o coração, com os afectos; dá-se sem medida e sem quaisquer calculismos humanos.

O amor mais perfeito que encontramos na terra é o das mães. É um amor inesgotável, em generosidade crescente, que mantém sempre a esperança no triunfo de quem ama, que sofre com o sofrimento daquele que ama, que nunca desiste, mesmo quando não é correspondido.

Mas o amor da mãe não consegue libertar-se das limitações humanas. Ela projecta-se no filho e, de algum modo, procura nele o seu próprio triunfo.

O amor humano, quando vivido no matrimónio, é como o vinho. Se tem qualidade e está devidamente acondicionado, melhora com o passar dos anos. Se é de má qualidade — ou nem sequer existiu — torna-se uma bebida intragável.

  • Amor divino e misericordioso. Só Deus é capaz de nos amar com perfeição infinita.

Nada procurou para Si em nós, porque nos amou antes de existirmos e foi por amor que nos chamou à vida, para nos tornar participantes da Sua felicidade, respeitando-nos sempre como pessoas livres e responsáveis.

Suporta as nossas indiferenças e até agressões, sempre à espera que O entendamos e nos rendamos à sua predilecção.

Por isso, o amor de Deus para connosco toma o nome especial e misericórdia, e todos somos chamados a imitá-lo uns para com os outros.

  1. b) Amor generoso. «Receberás um nome novo, que a boca do Senhor designará. Serás coroa esplendorosa nas mãos do Senhor, Não mais te chamarão «Abandonada», nem à tua terra «Deserta», mas hão-de chamar-te «Predilecta» e à tua terra «Desposada», […].»

Ainda nem sequer tínhamos rosto, porque ainda não existimos, quando o Senhor se encantou do brilho dos nossos olhos.

O Espírito Santo faz-nos exclamar: «Quando contemplo os céus, obra das vossas mãos, / a lua e as estrelas que lá́ colocastes, / que é o homem para que Vos lembreis dele, /
o filho do homem para dele Vos ocupardes?

Fizestes dele quase um ser divino, / de honra e glória o coroastes; / destes-lhe poder sobre a obra das vossas mãos, / tudo submetestes a seus pés:

Ovelhas e bois, todos os rebanhos, / e até́ os animais selvagens, / as aves do céu e os peixes do mar, / tudo o que se move nos oceanos.» (Salmo 8, 4-5.6-7.8-9).

Se uma criança de poucos dias de idade já tivesse o uso da razão desenvolvido como o de um adulto, ficaria admirada pela dedicação e carinho dos pais, sem nada perceber. Que procuram eles neste pequenino ser que nada tem de seu?

Que pode procurar Deus em nós, que nada possuímos, que tudo recebemos d’Ele e nem ser correspondemos com elegância e gratidão ao Seu Amor para connosco?

  • Um nome novo. O nome, na linguagem bíblica, significa natureza. Nós recebemos, de facto, pela graça santificante que nos foi dada no Baptismo, um nome novo, a participação da divina natureza. Fomos elevamos, pela graça, acima de toda a exigência das coisas criadas.

O nome novo é a nossa filiação divina que nos reveste de uma dignidade infinita. Podemos tratar a Deus por nosso Pai que está nos céus, ajudando-nos a ir para junto d’Ele.

  • Coroa esplendorosa nas mãos do Senhor, O texto de Isaías é de um enamorado que deseja consolar o Seu Povo.

Apesar da nossa indigência, podemos espelhar o rosto de Deus nas nossas boas obras e virtudes. Assim nos acontece com os santos, que nos dão um vislumbre da bondade do Senhor.

  • Criaturas de predilecção de Deus. Quer compreendamos, quer não, Deus enamorou-se de nós. Comunicou-nos a Sua mesma natureza — sem deixarmos de ser criaturas — e elevou-nos às alturas da divindade.

E quando, pelos nossos primeiros pais ou pelos pecados de cada um, malbaratamos esta riqueza, manda o Seu Filho Unigénito para nos restituir este tesouro que trazemos em vasos de barro.

Com uma paciência infinita, dá-nos a possibilidade de o recuperar todas as vezes que o perdermos.

  1. c) Somos a alegria de Deus. «Tal como o jovem desposa uma virgem, o teu Construtor te desposará; e como a esposa é a alegria do marido, tu serás a alegria do teu Deus.»

O Senhor recorre à imagem do amor conjugal, à alegria dos desposórios para nos manifestar o amor infinito que tem por nós.

No amor matrimonial verdadeiro, o homem e a mulher são um para o outro e os dois e Deus. Desentranham neste amor muitos e bons tesouros.

  • Segurança. Bem firmes num amor leal e generoso, marido e esposa encaram e enfrentam as dificuldades da vida sem qualquer receio. A ajuda mútua dá-lhes fortaleza para encarar as dificuldades da vida.

A Lei da Igreja ensina que a união matrimonial está «ordenado por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole.»

Na constância da união conjugal, os dois amadurecem humana e sobrenaturalmente para a vida na terra e para o Céu e perpetuam o seu amor mútuo nos filhos.

  • Vencem a solidão. Quando Deus acabou de formar Adão «O Senhor Deus disse: “Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele.” […] Então, o Senhor Deus fez cair sobre o homem um sono profundo; e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma das suas costelas, cujo lugar preencheu de carne. Da costela que retirara do homem, o Senhor Deus fez a mulher e conduziu-a até ao homem.3Então, o homem exclamou: “Esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da minha carne.» (Génesis 2, 18-23).

A maioria das pessoas é chamada à vocação matrimonial. Mas há também um reduzido número de pessoas que Deus chama ao celibato por amor do Reino dos Céus, no mundo, no sacerdócio ministerial ou na vida religiosa.

  • Comunhão. A chamada fundamental na família aponta para a comunhão. Dela nascem todos os outros frutos. Ela, por sua vez, orienta-se para a comunhão eterna com Deus.
  • Esperança no futuro. Os dois que fundam uma família olham com esperança o futuro. É ao calor desta esperança que chamam os filhos à vida na terra e no Céu.

Deus serve-se desta riqueza da união familiar, abençoada no Novo Testamento, com a graça sacramental, para nos fazer a vislumbrar a riqueza do Seu Amor por nós.

  1. O nosso amor a Deus
  2. a) Com Jesus e Maria. «Naquele tempo, realizou-se um casamento em Caná da Galileia e estava lá a Mãe de Jesus. Jesus e os seus discípulos foram também convidados para o casamento.»

Terá sido Maria Santíssima quem narrou a S. João Evangelista este acontecimento da vida pública de Jesus. Somente ele — que levou Maria para sua casa — refere este milagre do Divino Mestre. A nossa leitura do texto há ser feita tendo isto como referência.

  • Amar servindo. Maria e José estão presentes nas Bodas por título diferente: Jesus é um dos convidados e Sua Mãe está também presente, talvez por que fosse da família e viesse ajudar nos trabalhos de confecção dos alimentos.

O facto de se ter apercebido de que o vinho se tinha acabado, deixando a família e os esposos num grande embaraço, permite-nos pensar que Maria estava situada no lugar de onde partia a comida e as bebidas, ou seja, no serviço domestico.

  • Santificar os acontecimentos. Aprendemos com Jesus e Maria a santificar os acontecimentos dos nossos amigos. Comungar na alegria, na tristeza e nas preocupações é uma forma delicada de viver a caridade.

Somos incapazes de imaginar uma pessoa ou um casal isolados, a celebrar um grande acontecimento da sua vida. A alegria e o sofrimento vivem-se em comunhão.

Jesus dignifica este acontecimento com o Seu prestígio de Mestre; Maria, com as suas mãos privilegiadas que põem ao serviço e à alegria dos outros.

O cristão não pode ser um maniqueu que acha sempre o tempo perdido a participar num banquete, a passar uns bons momentos com os amigos, ou a fazer desporto.

Santa Teresa explica que, se a corda do arco estiver continuamente distendida, perde a sua força. Assim também não podemos viver continuamente com o ânimo tenso. As festas servem para nos ajudar a descansar um pouco o espírito, preparando-o para as lutas de cada dia.

  • Atenção materna. Nada escapa ao olhar solícito das mães. Entendem um simples e discreto gesto, um rosto de preocupação disfarçada, alguma pequena falha que rapidamente procuram remediar.

São estes olhos maternos com que havemos de observar as pessoas; não com olhos críticos e de censura farisaica. Vale a pena perguntar: a descoberta de falhas no comportamento das outras pessoas dá-nos satisfação, porque talvez ajudem a valorizar, por contraste, o nosso comportamento.

Tudo isto que Jesus e Maria vivem nas Bodas de cana são outras tantas formas de viver a caridade, imitando o nosso Deus no Seu Amor.

  1. b) Enchemos as talhas de água. «Sua Mãe disse aos serventes: “Fazei tudo o que Ele vos disser”. Havia ali seis talhas de pedra, destinadas à purificação dos judeus, levando cada uma de duas a três medidas. Disse-lhes Jesus: “Enchei essas talhas de água”.»

Depois de muito pensar, foi a única solução que lhe ocorreu. Não era viável, à última hora, ir procurar vinho, nem o encontrariam facilmente. Maria vivia os problemas dos outros como os seus e procurava-lhes uma solução rápida e eficaz.

Maria dialoga com Jesus, à procura de uma resposta para aquele grande e urgente problema.

  • Encher as talhas de água. Deus não nos pede grandes façanhas para resolver os problemas, até porque sabe que somos incapazes de as realizar. Pede-nos apenas um pequeno gesto de boa vontade: encher as talhas de água.

Mas como somos megalómanos, estamos sempre à espera coisa grandiosas, espectaculares, para resolver os problemas. A cura da lepra e Naamã (2 Reis 5, 1 e ss) é alcançada com sete mergulhos no rio Jordão; para encher o celeiro, o agricultor lança algumas sementes à terra…

O que o Senhor nos pede para transformar o mundo é apenas isto: encher as talhas de água. Transformá-la em vinho já não é da nossa competência.

Para debelar a crise da família, Nossa Senhora pede-nos uma coisa tão simples como rezar o Terço. Deus fará tudo o mais.

  • Fazer a vontade de Deus. Não tivera Nossa Senhora prevenido os serventes, e ter-se-iam rido da ordem de Jesus. As talhas estavam ali para que os convidados, antes de tomar parte no banquete, fizessem as purificações legais. A água já não fazia falta para isso, e os serventes seriam tentados a rirem-se da ordem de Jesus. Com prudência de Mãe, Maria previne-os, para que o milagre se realize.

O nosso amor a Deus não se exprime em fazer coisas que julgamos boas, mas em fazer a vontade de Deus. Ele não nos pede coisas grandes e difíceis, porque abe que somos incapazes de as fazer. Pede-nos que façamos com perfeição e amor as pequenas coisas de cada dia.

  1. c) Deus transformará o amor. «Depois disse-lhes: “Tirai agora e levai ao chefe de mesa”. E eles levaram. Quando o chefe de mesa provou a água transformada em vinho, […] chamou o noivo e disse-lhe: “[…] tu guardaste o vinho bom até agora”.»

Há muitas lições belas contidas neste milagre.

  • A transformação do amor. O amor humano limpo, que os noivos levam ao altar, para tomarem o seu compromisso de fidelidade perante Deus e a Igreja torna-se, pelo Sacramento do matrimónio, em amor, santo, divino, meio de santidade pessoal.

As manifestações de amor entre casados, quando não estão contra a Lei de Deus, são verdadeiros passos no caminho da santidade. Aquela água que era o amor humano, foi transformada em vinho de santidade.

  • Vinho símbolo do verdadeiro amor. O amor matrimonial é como o vinho: quando tem boa qualidade, melhora com o tempo. Para melhorar, o vinho precisa de estar bem acondicionado, de outro modo transforma-se numa mistela intragável, ou num vinagre fortíssimo.

O acondicionamento do amor conjugal obedece às regras que o Senhor lhe pôs: uno — sem mistura de outro amor — e indissolúvel. A fidelidade a um amor que se iniciou na juventude dará um amor de qualidade. Notamos isto mesmo nos casais de idade onde os sentidos já nada têm a dizer e que, a pesar disso, continua a crescer.

  • Caná, Tiberíades e Cenáculo. A transformação da água em vinho e a multiplicação dos pães e dos peixes apontam para a noite de Quinta Feira Santa, no Cenáculo.

Os dois primeiros milagres ajudam-nos a compreender a maravilha da instituição da Santíssima Eucaristia.

Em Cana, Jesus transforma toda a água numa coisa nova: a água em vinho. Desapareceu a cor, o cheio e o sabor de água, para aparecer o do vinho. Mas a quantidade permanece a mesma: «havia ali seis vasilhas de pedra preparadas para os ritos de purificação dos judeus, com capacidade de duas ou três medidas cada uma.» (S. João 2, 1-12).

Quando Jesus multiplica os pães e os peixes nas margens do lago de Tiberíades, é o mesmo pão e o mesmo peixe que todos os cinco mil homens comem: o mesmo sabor, a mesma cor, o mesmo poder alimentício dos cinco pães e dois peixes utilizados para o milagre.

No Cenáculo continuam as aparências do pão e do vinho — a cor, o cheiro, o sabor e o peso — mas ali não está a mesma substância do pão, mas o Corpo e Sangue do Senhor.

Além disso, multiplica-se a quantidade: todos aqueles que comungam um pequeno bocado deste pão, recebem Cristo inteiro.

Não é por acaso que, depois da multiplicação dos pães, Jesus promete a instituição da Santíssima Eucaristia.

Maria presente em cada Missa. Muitos autores descobriram um paralelismo entre o milagre de Caná, no qual Nossa Senhora manifestou uma solicitude maternal por aqueles que estão ao seu lado, e o momento do Calvário, onde S. João A acolhe como Mãe de todos os homens. Partindo desta realidade doutrinal, S. Josemaria chamava-lhe frequentemente Mãe de Deus e nossa Mãe, e aconselhava a tratá-la como filhos. “Maria quer, certamente, que a invoquemos, que nos aproximemos d’Ela com confiança, que apelemos para a sua maternidade, pedindo-lhe que se manifeste como nossa Mãe. Mas é uma Mãe que não se faz rogar, que se adianta, inclusivamente, às nossas súplicas, pois conhece as necessidades e vem prontamente em nossa ajuda, demonstrando com obras que se lembra constantemente dos seus filhos.” (S. Josemaria, Cristo que passa, n. 141).

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