A luta de morte de um dragão contra uma mulher indefesa
A cena que ouvimos descrever na primeira leitura, tirada do Livro do Apocalipse, é-nos apresentada por dois sinais. O primeiro é “uma mulher, vestida de Sol, com a Lua debaixo dos pés e coroada de doze estrelas”. O segundo é um “grande dragão cor de fogo” dotado de uma força espantosa, simbolizado pelas sete cabeças e dez chifres e com uma grande cauda capaz de arrastar um terço das estrelas do céu. A mulher estava para ser mãe e teve um filho varão.
A mulher será subjugada, mas Deus intervém: pega no menino e leva-o para junto de si, enquanto a mulher procura refúgio no deserto.
Quem são os três personagens: a mulher, o dragão e o menino recém nascido?
Temos de atender a que o autor do Apocalipse escreve por volta do final do século I, num tempo difícil para as comunidades da Ásia Menor onde ele vive. Escreve de modo a não ser entendido pelos leitores não acostumados às imagens e à simbologia do Antigo Testamento, mas perfeitamente descodificada pelos cristãos perseguidos, a quem ele se dirige.
O “menino” é Cristo “que está destinado a governar as nações”. Quem conhece o Antigo Testamento sabe que “a mulher” representa Israel, povo referenciado pelas doze estrelas (as doze tribos). O Sol indica a glória divina de que foi coberto este povo. A Lua era o deus adorado pelos povos do Médio Oriente, inimigos de Israel. Este deus – símbolo do mal – é vencido e esmagado pelo povo dos santos. A mãe da qual nasceu o “menino”, o Messias, é a mulher-Israel.
O “dragão cor de fogo” simboliza o mal, as forças contrárias à salvação, inimigas de Deus e do seu desígnio de amor. Estas forças atiram-se contra o “Messias” desde o dia do seu nascimento, que não representa o menino nascido em Belém, mas O do dia de Páscoa em que Jesus de Nazaré, saindo do sepulcro, foi revelado como Cristo, como Messias. O “dragão”, atingido mortalmente no dia de Páscoa foi definitivamente derrotado. A mulher que foge e procura refúgio no deserto é a Igreja, a comunidade dos discípulos que não cede às adulações e à força do dragão.
Todos os textos, quer do Antigo quer do Novo Testamento, em que se fala do povo fiel podem ser aplicados a Maria. É dela que nasce o Messias e, portanto, é ela a mulher-Israel, a Arca da Aliança que entrou no templo de Deus. De igual modo é a irmã que vive os dramas de toda a comunidade cristã, que acompanha os irmãos na fé nos momentos difíceis da tentação, do desencorajamento, da luta contra o mal.
O canto final “agora chegou a salvação” é um convite à esperança, porque apesar das aparências do enorme poder que têm as forças do mal, a morte, o dragão, já foi derrotado e incapacitado de fazer mal devido ao poder de Cristo, vencedor da morte.
A vitória da morte transformada em vida definitiva
Nós somos crentes, todavia temos medo da morte. A morte não nos apanha no fim dos nossos dias sobre a terra. Ela é uma experiência vivida em cada momento. A doença, a dor, a desilusão, a solidão, o abandono, o desespero, a deficiência são situações que impedem de viver plenamente. São formas de morte!
Recordam-se da jovem holandesa de 17 anos, Noa Pothoven, que depois de ter sido vítima de assédio aos 11 anos e de violação aos 14 anos, desenvolveu um quadro de anorexia nervosa e de depressão profunda que nunca conseguiu ultrapassar e motivou o seu desespero? Esta jovem relatou as suas experiências traumáticas e as várias tentativas de suicídio, que a levaram a pedir para ter uma morte assistida.
Na realidade, a vida de cada um de nós é marcada por túmulos: famílias que se desagregam, rutura de relações interpessoais, incapacidade de construir afectos, o rancor, o desejo de vingança, que não nos proporcionam paz, mas são formas de morte. É neste mundo, onde estão presentes sementes de vida e germes de morte, que somos chamados a atingir a maturidade.
Hoje, celebramos a festa daquela que nunca foi derrotada pela morte. Como seu Filho, Maria não procurou fugir à condição humana, não pediu a Deus privilégios nem milagres. Olhou para a realidade deste mundo e soube transformar cada situação de morte numa oportunidade de crescimento e de maturação no amor, até ao dia em que foi transferida para o mundo novo no qual seu Filho foi o primeiro a entrar.
S. Paulo, através da segunda leitura de hoje, ajuda-nos a compreender o significado da vitória de Cristo sobre a morte. Os inimigos de Deus a que Paulo se refere não são os homens, mas aquelas formas de morte com que nos devemos defrontar neste mundo: a fome, a nudez, a doença, a ignorância, a escravidão, o medo, o egoísmo, o pecado.
Quando estas manifestações do mal forem destruídas, quando a construção do reino do Messias for completa e todos os inimigos de Cristo forem vencidos, Cristo entregará ao Pai o seu Reino que durará para toda a eternidade.
Cristo venceu a morte porque no fim da nossa gestação nesta vida, nos faz nascer, introduzindo-nos no mundo de Deus onde só há vida. Ele percorreu antes de todos este caminho. Exaltando as maravilhas operadas pelo Senhor, com Cristo e como Ele sua Mãe, Maria, realizou esta passagem.
A exaltação das maravilhas operadas pelo Senhor
Deus realiza acontecimentos maravilhosos servindo-se de instrumentos sem valor aos olhos dos homens. Maria pertence à categoria destes instrumentos débeis, humildes e pobres com os quais Deus opera as suas maravilhas. Através de Maria, Ele realizou o acontecimento mais extraordinário da história: deu aos homens o Seu próprio Filho.
Nós hoje consideramos abençoadas aquelas pessoas que conseguiram enriquecer, aqueles que obtiveram sucesso, aquelas que se tornaram famosas e importantes.
Lucas, no seu Evangelho, com a visitação de Maria a sua prima santa Isabel, pretende apresentar Maria como a nova Arca da Aliança, através de todos os sinais que acompanham esta sua visita: a saudação de Isabel (semelhante à de David quando a arca foi transportada para Jerusalém); o facto de Maria ter permanecido “três meses” em casa de sua prima (como a Arca havia permanecido três meses numa casa da Judeia); o estremecimento do menino no seio de Isabel…
Desde que Deus escolheu fazer-se homem, já não habita em construções de pedra, num templo, num lugar sagrado, mas no ventre de uma mulher, Maria. O filho de Maria é o mesmo Senhor.
Trazer o Senhor dentro de si não é um privilégio reservado a Maria. Cada nossa comunidade, cada um de nós é chamado a ser, como Maria, a “arca da aliança” que nos é confiada para levar o Senhor aos homens. E há um sinal que permite verificar se os cristãos de hoje são “arca da aliança”: é a alegria. Como o Baptista estremece de felicidade e Isabel grita a sua alegria por ter sido visitada pelo Senhor, a presença dos cristãos nos vários ambientes, no trabalho, nas escolas, nos hospitais, nas festas, nos encontros políticos deve ser motivo de alegria e demonstração de coragem em acreditar que se realizarão as promessas feitas por Deus aos construtores da paz, aos não violentos, aos que dão a outra face e não se vingam, a quem dá a vida por amor.
O hino de graças ao Senhor pelas maravilhas de vida que Ele operou, tornou fecundo o ventre de Maria e abriu completamente todos os sepulcros, o de Cristo, de Maria e também os nossos.
Saibamos, pois, ser alegres e transmitir essa alegria a todos aqueles com quem contactarmos.