Na última parte do trecho de domingo passado, ouvimos Jesus dizer: «Eu sou o pão da vida.» na medida em que é sabedoria de Deus. Quem assimila a sua proposta saciará a fome e a sede de felicidade e de amor.
Perante esta pretensão inaudita, os Judeus reagem da forma mais resoluta. Estão convencidos de possuir já o «pão» que sacia, a Torá, a palavra do Senhor contida nas sagradas escrituras. O Sirácide indicou claramente o alimento e a bebida que Deus oferece ao justo: «Com o pão da inteligência há-de alimentá-lo, e com a água da sabedoria há-de dessedentá-lo». Israel não precisa doutro pão, e não pode admitir que um homem se proponha a si mesmo como «pão da vida».
Desconcertados, os judeus não se dirigem diretamente a Jesus, mas murmuram entre si: «Não é Ele, Jesus, o Filho de José? Não conhecemos o seu pai e a sua mãe? Como é que Ele diz agora: Eu desci do céu?»
Murmurar não significa levantar dúvidas, mas contestar, refutar a afirmação provocatória e escandalosa que tinham ouvido. É inaceitável que Jesus pretenda encarnar a sabedoria de Deus, reproduzir na pessoa o Senhor três vezes Santo.
Iremos esclarecer a identidade destes interlocutores, designados por João como Judeus, mas antes precisamos de compreender bem o significado da sua objeção. Como pode Jesus ser o pão da sabedoria de Deus descido do céu?
«A Deus jamais alguém viu» e não pode sequer ser visto, referem muitos textos da Bíblia. E, no entanto, ao longo dos séculos, as pessoas sempre experimentaram um desejo ardente de o encontrar, de conhecer a sua vontade e os seus projetos para o mundo.
Começaram a vislumbrar alguns traços do seu rosto quando, levantando os olhos, contemplaram «o fogo, o vento ou o ar subtil, a abóbada estrelada, a água impetuosa ou os luzeiros do céu», ficaram admirados com a sua beleza e chegaram a descobrir o autor: «O que de Deus se pode conhecer está à vista, já que Deus o manifestou. Com efeito, o que é invisível nele tornou-se visível à inteligência, desde a criação do mundo, nas suas obras».
Infelizmente, também hoje, como então, há muitas pessoas que se limitam a reconhecer em Jesus o homem sábio que indicou vias de justiça e de paz, um dos muitos profetas, talvez até mesmo o maior dos profetas, mas, mesmo sem perder a estima por Ele, consideram-no um simples ser humano, «o filho de José», e não se dão conta – ou recusam-se a aceitar – que Ele é o Unigénito do Pai; não acreditam que «Deus tanto amou o mundo que lhe entregou o seu Filho unigénito, afim de que todo o que crê nele não se perca, mas tenha a vida eterna».
Qual o porquê de tudo isto, a raiz desta incredulidade?
A resposta a este enigma está na segunda parte do trecho de hoje do Evangelho.
Há quem se alime da palavra de Cristo, pão da vida, mas também há quem hesite ou seja até incapaz de a compreender. O motivo – explica Jesus – é que ninguém pode ir até Ele se não for atraído pelo Pai que o enviou. A descoberta do «pão do céu» não é uma conquista do ser humano, mas um dom gratuito do Pai.
Mas porquê? Então este dom não é oferecido a todos? Deus favorece uns e impede outros? Faz com que alguns encontrem o «pão do céu» e outros não?
Deus dá a todos a possibilidade de conhecerem: «Serão todos instruídos por Deus».
Trata-se de uma referência ao oráculo do profeta Jeremias, que anunciou: «Dias virão – diz o Senhor – em que imprimirei a minha lei no seu íntimo e gravá-la-ei no seu coração. Serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Ninguém ensinará mais o seu próximo, dizendo: “Aprende a conhecer o Senhor”, pois todos me conhecerão, desde o maior ao mais pequeno».
A instrução que o Senhor dá a todos é o seu Espírito, o impulso divino que age no íntimo de cada pessoa e a leva pelos caminhos da vida. Infelizmente nem sempre e nem todos o seguem, não apreendem os seus ensinamentos, não são dóceis aos seus impulsos; «só quem aprende dele» acolhe Jesus.
Então a questão que nos devemos pôr é uma só: deixo-me instruir pelo Espírito de Cristo ou, como os judeus do tempo de Jesus, recuso o «pão do céu» e prefiro alimentos de morte?