UMA HISTÓRIA DE NATAL, ACONTECIDA

Quando chega o Natal recordo sempre – e peço desculpa do tom pessoal desta abertura – uma história, que parece de Saint-Éxupery, mas de que fui autor involuntário.

Há muitos anos. A editora pretendia ilustrações para um livrinho meu sobre o Natal. Enviei uns esboços para inspiração do artista lá de casa… e imprimiram os esboços! Imagens simples, tradicionais, mais uma, esquisita, a sugerir o Natal no nosso tempo: o Menino enfaixado, dormindo na pobre manjedoura, rodeado de ovelhas; uns arranha-céus lá ao fundo; e um homem aproximando-se, cansado, com um pesado saco às costas: o peso da atribulada vida moderna – e, afinal, talvez de todos os tempos.

Quem mais vezes o «leu», foi uma menina que ainda nem sabia ler: percorria as figuras, uma vez e outra. – «Mãe! O Menino está sozinho, no meio de bichos e perto de um homem com um saco!»

Bem tentou a mãe sossegá-la. Em vão. Desenhou então ela, a lápis, uma Nossa Senhora a proteger o Menino. E bem desenhada, por sinal. – Não!, tinha de ser a tinta! (Como é que uma Nossa Senhora que se pode apagar podia defender o Menino daqueles perigos?)

Lá tive eu de acrescentar, a nanquim, a Santa Mãe de Deus, e fiz mais: desenhei a menina, ajoelhada, a adorar o Menino Jesus. Ai, que alegria a dela! Só que a mana inseparável também queria lá estar; e então combinaram: umas vezes era ela, outras vezes a mana.

Há no episódio uma interessante mensagem: a importância que devemos dar aos nossos sentimentos e como jogar com eles devidamente. Na verdade, a inteligência depende deles mais do que nos apercebemos. Há sentimentos errados e sentimentos certos: alegrar-me com o mal dos outros, ser indiferente para com alguém, rezar com aborrecimento e só para «cumprir», irritar-me quando me aconselham bem, guardar rancores contra quem me incomodou, sentir-me superior a quem teve menos condições de cultura ou educação, etc.; ou os sentimentos contrários de pena, amor, gratidão, confiança, apreço, perdão…

Quando os sentimentos acertam, a inteligência ilumina-se; quando não, a razão tropeça, afunila-se, envenena-se.

Aquelas meninas amavam Jesus, confiavam na sua Mãe Santíssima, temiam que tratassem mal o Filho, e não queriam separar-se d’Ele nem d’Ela. Sentimentos certíssimos, mais importantes do que as benditas investigações dos biblistas… que, aliás, só o são quando estudam a Palavra de Deus com rigor científico – e coração de meninos.

 

Fonte: Revista Celebração Litúrgica

Edição nº 1 | Advento-Natal | Dezembro/Janeiro 2018/2019

Autor: Hugo de Azevedo

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