Ser ousado com prudência?

Parece ser uma contradição. A ousadia envolve a coragem de arriscar. Não será a prudência uma força contra a ousadia? O Papa em Março de 2018 convidava os jovens a serem ousados, a arriscar e falhar ou enganarem-se que seriam corrigidos. Mas depois apela à prudência. Onde está a compatibilidade entre ser ousado e ser prudente?

Na última edição dos Óscares fiquei intrigado com um documentário vencedor intitulado Free Solo. O filme fala do feito de um jovem profissional no mundo da escalada que se destacou por fazê-la a solo. Ou seja, ele escala grandes paredes sem qualquer corda. Apenas com as mãos, os pés, coração e, depois de ver o documentário, muita cabeça.

Não me restam muitas dúvidas de que escalar a solo a parede do El Capitan com 900m, como fez Alex Honnold, é algo definitivamente ousado e arriscado. Mas o que me fascinou foi o grau de preparação que ele fez. Recorrendo ao conselho dos mais experientes, escalando várias vezes “com” corda para estudar bem cada passo e ver qual a melhor solução para ir de uma saliência mínima para outra. O grau de concentração era imenso e vasto o conhecimento de cada detalhe daqueles 900m.

Quando ouvi o Papa Francisco a pedir aos jovens para serem ousados achei importante, mas quando lhes aconselhou arriscar na prudência, lembrei-me de Honnold.

Ser prudente significa preparar-se.

Por vezes arriscamos sem pensar naquilo que estamos a fazer. Fazemos de improviso e das duas uma, ou se torna num momento feliz de inspiração, ou num momento triste de grande tragédia.

O que nos prepara mais para os desafios ousados é desenvolver a capacidade de aprender e prestar atenção a cada detalhe. Mas há quem esteja a preparar-se o resto da vida e não passa disso. Não arrisca. Ser prudente não elimina o risco da ousadia, mas assegura que fizemos tudo para dar um passo em frente na concretização das acções que espelham as nossas convicções.

É aqui que me lembro da Semana Santa que se inicia. Jesus também arriscou e ousou. Ousou amar como ninguém havia amado. Ousou dar a vida como ninguém havia dado. A escala da paixão foi também a solo, de tal modo que do alto da cruz sente-se abandonado por aquele que afirmou aos Apóstolos que estaria sempre connosco. Deus.

O paradoxo. Estaria Jesus preparado para isso?


”Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, mas a tua.” (Lc 22, 42)

Jesus sabia o risco que corria e qual o desfecho. Posso estar enganado, mas, talvez a Sua preparação consistiu em fazer a Vontade do Pai. Sempre. A cada momento. E esse é o desafio diante de cada um de nós: saber qual a Vontade de Deus, nosso Pai.

Daí o valor do silêncio na nossa vida, dos momentos (até de tédio) em que damos espaço e tempo para estar junto com os nossos pensamentos e (reaprender) a escutar a voz interior. Aquela que através da consciência e da vida que se apresenta no momento presente, nos prepara para ousar e arriscar.

Fonte: https://agencia.ecclesia.pt

Autor:Miguel Oliveira Panão

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