O menino Jesus

«Et Verbum caro factum est». Deus assumiu a natureza humana ferida pelo pecado original, não em estado de perfeição natural e menos ainda elevada à ordem «praeter-natural» do Paraíso. E fê-lo porque, ainda nas piores condições possíveis, o homem continua sendo imagem sua, carente de tudo para subsistir, mas carente de Deus para ser feliz. É nesta carência que reside a sua grandeza. Mesmo no mais miserável estado físico e moral, aspiramos ao infinito, a um estado que só o Criador pode satisfazer. Nenhuma outra criatura terrena possui tal expectativa.
O Menino Jesus também precisou de tudo para se sustentar e crescer como homem. Não constam dEle doenças de infância, mas o simples facto de ser homem significa a sua necessidade de amparo materno, paterno, familiar, comunitário. Senão, não seria homem verdadeiro, pois, voltemos a repetir, assumiu a natureza humana existente, que, embora ferida pelas consequências do pecado, mantém a estrutura primordial: a de um ser social, dependente dos seus semelhantes e dedicado a eles.
Pela nossa condição histórica, somos todos doentes, isto é, necessitados de tratamento, desde o aconchego da gestação até às angústias da morte. Costumamos chamar doenças apenas às situações mais dolorosas da existência, sem repararmos na nossa geral fraqueza: mal nos falte o ar, a água ou qualquer alimento, entramos em crise de subsistência. A necessidade de tratar-nos e de ser tratados física e animicamente é a nossa condição; não uma excepção fortuita. Na realidade, nada neste mundo nos sacia, e os nossos próprios gozos padecem de impermanência.
Com o pecado original, a missão do homem – «ut operaretur», que significa imprimir no mundo material o nosso génio espiritual – passou a significar primordialmente lutar pela nossa própria existência, meio indispensável de sustento e desenvolvimento. O que não consiste somente em subsistir como animais, mas subsistir como homens, isto é, como pessoas, a quem Deus confiou a tarefa de «cultivar e guardar» o mundo. E essa missão persiste: por mais perecíveis que nos pareçam as nossas realizações, nada se perde diante de Deus, nenhum trabalho é inútil, nenhuma arte é fútil. «Omnia cooperantur in bonum»: todo o empenho positivo do homem na sua sustentação e aperfeiçoamento concorre para o bem espiritual e material do mundo, agora e na eternidade, para a glória de Deus.
Bela resposta a da Santa Irmã Bakita, já imobilizada na sua cadeira de enferma, a um devoto Cardeal que quis conhecê-la: – «Irmã Josefina, que está fazendo aqui?» – «O mesmo que o Senhor Cardeal» – «O quê?» – «A vontade de Deus». Aparentemente «inútil», o seu coração trabalhava com tanto ou mais proveito do que antes.
Passado o período natalício, em 11 de Fevereiro, na festa de Nossa Senhora de Lourdes, a Igreja leva-nos a aumentar o nosso cuidado para com os doentes. Tão importante como acompanhá-los e consolá-los, é ajudá-los a considerarem-se os mais valiosos trabalhadores do mundo, pois, além do seu grande valor para quem os ama – e todos devem ser amados -, são predilectos de Deus, reproduzindo no seu corpo e na sua alma Jesus Menino na gruta de Belém e Jesus no Horto das Oliveiras.
No Hospital, são eles, sem dúvida, os maiores trabalhadores, lutando pela vida, sem intervalos de descanso. Pois que sejam bons trabalhadores: obedientes, sem caprichos, animando os outros e ajudando-os como puderem. Sem deixarem de queixar-se quando for útil para o seu tratamento.
Neles especialmente se revê Nosso Senhor na Cruz e neles prolonga o seu trabalho redentor. O Menino Jesus, ao iniciar a nossa salvação, inerme, ao colo de sua Mãe, já conta especialmente com eles.

Fonte: Edição nº 1 | Advento – Natal – Tempo Comum | Dezembro/Janeiro 2019/2020
Autor:Hugo de Azevedo

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