A fé como luta

A história da Igreja Católica mostra-nos muitos grandes santos que tiveram experiências de dúvida, de escuridão, aridez, quase revolta, na sua vida espiritual, perante o silêncio de Deus. A fé é uma luta e esses santos mostram-no. Não é um doce que se dá a crianças para as acalmar ou um comprimido para anestesiar as dores da alma humana.

Como luta, exige um compromisso interior constante, com consequências práticas no dia a dia, porque não é um dado adquirido, pelo contrário. Recordo-me muitas vezes da passagem do Evangelho em que Jesus fala do que seria possível fazer a quem tivesse a fé de um grão de mostarda. Algo tão mínimo. Habituamo-nos a pedir perdão pelos que não creem, mas esquecemo-nos de que, tantas vezes, estamos nesse grupo.

O novo filme de Martin Scorsese, ‘Silêncio’, traz aos ecrãs de Cinema um retrato desta luta interior, num contexto particularmente complexo, o da missionação do Japão no século XVII, com a consequente perseguição feroz aos cristãos. Na linha do romance homónimo de Shusaku Endo, somos confrontados com os limites da maldade, da ausência de reconhecimento pelo outro, da luta interior em matérias de fé, a dúvida, a apostasia, o martírio.

É impossível ficar indiferente ao facto de muitas destas cenas serem reproduzidas hoje, em cenários dominados, por exemplo, pelo autoproclamado ‘Estado Islâmico’. Muitos morreram por causa da sua fé, outros hesitaram, alguns abdicaram por medo da morte.

Não deveríamos perder tempo a julgar os outros, mas, pelo contrário, o mais necessário é questionar a nossa própria realidade: quantos de nós tiveram, verdadeiramente, de lutar para professar a sua fé, contra tudo e contra todos? Uma fé vista meramente como herança sociocultural é pouco mais do que decorativa, mas a capacidade de a levar até às últimas consequências espirituais e práticas – porque a fé exige a concretização em obras – é algo muito mais difícil de encontrar.

Muitos vão chorar ao ver o novo filme de Scorsese, por causa dos que morreram e dos que ainda morrem, perseguidos por professarem uma fé diferente. Outros questionarão a “apologia” (embora não seja esse o caso) da apostasia, outros ainda o “atrevimento” dos missionários que foram a outros países anunciar o seu Credo. Vale a pena falar de tudo isto e, sobretudo, vale a pena sair do adormecimento e aceitar o questionamento. 

 

Octávio Carmo, Agência ECCLESIA

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