22 de janeiro- Solenidade de São Vicente, Diácono e Mártir- Padroeiro Principal da Diocese do Algarve

Sermão 276Fortaleza e glória de São Vicente

1º Meus irmãos, na paixão que hoje é lida, surgem com toda a clareza um juiz feroz, um verdugo cruel e um Mártir invencível, sobre cujo o corpo, esmagado por variados tormentos, já se tinham esgotado as torturas e, apesar de tudo, ainda se mantinham os seus membros.

Se a impiedade, ainda que convencida por tantos milagres, não cedia, se a debilidade, atormentava por tantos suplícios não sucumbia, reconheça-se, pois, a acção da divindade. Com efeito, se o Senhor não habitasse nele, como poderia resistir o pó corruptível a tão cruéis torturas? Em tudo isto, por conseguinte, há que reconhecer, glorificar e louvar a Quem, ao chamá-lo pela primeira vez, lhe deu fé, e, na suprema paixão, a virtude. Quereis saber se ambas lhe foram dadas? Escutai o Apóstolo Paulo: a vós foi concedida a graça, não só de acreditardes em Cristo, mas também de sofrerdes por Ele. Um e outro dom recebera o levita Vicente; recebera-os e guardara-os. Se os não tivesse recebido, como os guardaria? Tinha confiança na palavra, tinha coragem no sofrimento.

Ninguém se envaideça da sua força interior, quando fala; ninguém confie nas suas forças, quando sofre a tentação; porque, se falamos bem e com prudência, é d’Ele que vem a nossa sabedoria; e se suportamos os males com coragem, é d’Ele quem vem a nossa força.

Recordai-vos de Cristo Senhor no Evangelho, exortando os seus; recordai-vos do Rei dos mártires instruindo nas armas espirituais os seus exércitos, exortando-os para a guerra, fornecendo-lhes auxílio, prometendo a recompensa. Ele, que disse aos seus discípulos: Neste mundo haveis de sofrer, logo os consolou, ao vê-los assustados: não temais; Eu venci o mundo. Como nos admiraremos então, caríssimos, que Vicente tenha vencido n’Aquele que venceu o mundo? Neste mundo haveis de sogrer, diz o Senhor: o mundo persegue, mas não triunfa; ataca, mas não vence.

  1. O mundo conduz uma dupla batalha contra os soldados de Cristo: lisonjeia-os para os enganar, aterroriza-os para os quebrar. Não nos preocupe o nosso bem estar, não nos assuste a crueldade alheia, e vencido está o mundo.

A ambas as brechas acorre Cristo, e o cristão não é vencido. Se neste martírio se considera a capacidade humana de o suportar, o facto torna-se incompreensível; mas se se reconhece o poder divino, nada tem de espantoso.

Era tanta a crueldade que afligia o corpo do mártir e tanta a tranquilidade que transparecia na sua voz, era tanta a dureza com que era maltratados os seus membros e tão grande a segurança que ressoava nas suas palavras, poderia parecer que, de algum modo maravilhoso, enquanto Vicente suportava o martírio, fosse torturada pessoa diferente da que falava.

E era realmente assim, irmãos, era mesmo assim: era outro que falava. Também isto o prometeu Cristo, no Evangelho, às suas testemunhas, quando as preparava para o combate. Na verdade, assim falou: Não vos preocupeis com o que haveis de dizer. Não sois vós que falais, mas o Espírito do vosso Pai que fala em vós.

Portanto, a carne era torturada e o Espírito falava: e enquanto o Espírito falava, não só era vencida a impiedade, mas também era confortada a fraqueza.

  1. Os muitos suplícios aumentavam o resplendor do mártir perante os nossos olhos. Mesmo coberto de feridas de toda a espécie, não abandonava a luta, antes a retomava com maior vigor, ao ponto de se poder pensar que a chama, em vez de queimá-lo o endurecia como no forno do oleiro, que recebe o barro brando e o converte num vaso endurecido. O nosso mártir podia dizer a Daciano: “O teu fogo já não seca a minha carne, porque a minha garganta está seca como o barro cozido”.

Vicente foi provado e cozido com aquele fogo; Daciano, em contrapartida, ardeu e estalou. E, se não ardia, de onde procediam os seus gritos? Que outra coisa eram as suas palavras carregadas de ira se não o fumo de quem está ardendo? Ele envolvia exteriormente em chamas o nosso mártir em cujo o coração havia refrigério; porém, ele próprio, incendiado com a tocha do furor, ardia, por dentro, como um forno, abrasando, ao mesmo tempo, o diabo que o habitava. Através dos gritos raivosos de Daciano, através da crueldade dos seus olhos, dos seus olhares ameaçadores e o movimento de todo o seu corpo, manifestava o seu inquilino interior que se deixava ver mediante estes sinais visíveis, como fendas no vaso que ele enchia e se quebrava. Não sofria tanto o mártir sob o rigor dos tormentos como ele sob o efeito da loucura…

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